Terceira Parte
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Viviane e Helen
faziam compras em uma loja de departamentos. Viviane colocou um vestido na
sacola usada para guardar os objetos a serem comprados. Helen tagarelava
alegremente sobre os colegas da faculdade e as dificuldades do novo emprego
como residente em um hospital. Helen era
uma garota de cerca de um metro e meio, os cabelos formidavelmente
encaracolados estavam presos em um perfeito rabo de cavalo e usava um vestido
branco simples de verão que combinava com a fita no cabelo que era um de um
branco um pouco mais escuro. Nos pés usava um grande sapato bege de salto alto.
A loja era enorme e toda pitada de anil. As roupas nos cabides que ficavam a
disposição para serem pegas eram atraentes e sofisticadas. Helen pegou uma
atraente camisa de gola polo e mostrou para Viviane:
- Acha que combina
com Demétrio? Atraente não? Talvez para irmos ao baile.- Viviane não ouviu a pergunta da jovem.- Não
parece nada bem. Algo aconteceu-lhe?
- Tive uma nova
visão.- disse a mulher. – Eu havia- me esquecido delas. Outras pessoas morrerão
desta vez. E serão muitas. Muitas!
- Vamos deixar
estas coisas aqui, vamos tomar um sorvete e você irá contar-me detalhadamente
onde e quando acontecerão as próximas mortes. –disse a jovem nervosa. As duas
foram até um restaurante e pediram milk-shake. Viviane estava aflita e muito apreensiva.
Sentou-se desajeitadamente numa cadeira sentindo o frio cadavérico da manhã
nublada. Porque ela fora amaldiçoada por aquele dom? Odiava-se por não haver
morrido no maldito acidente. As mortes que vira... As pessoas... Sentia-se
horrorizada e terrivelmente abatida naquela manhã. Helen retornou com os
milk-shakes e perguntou:- O que acontecerá desta vez ? Temos de impedir isto.
- Não. Como evacuariam
todas as áreas em tão pouco tempo?- perguntou-se Vivi.- Isto se eles acreitassem-me!
Desta vez morrerão dezenas de pessoas em um atentado terrorista! Setenta e sete
pessoas serão mortas. –disse a mulher empalidecida.- E sabe-se lá quantas
sairão feridas. Não há como impedir. Não há o que fazer. Eu estou desesperada.
- Onde?-perguntou
Helen com medo.- Onde?
- Na Noruega.
- Temos de impedir.
Temos de fazer algo, Vivi. Eu jamais poderia viver com a culpa por estas
mortes. –disse a jovem.
Viviane respirou
fundo e fez que não com a cabeça dolorida:
- Ninguém acreditaria
em nós. –afirmou.- Me chamariam de louca. Você sabe tão bem como eu que ninguém
acreditaria. Seria uma estupidez. Não posso evitar. Eu... apenas sei... eu
apenas sei, mas não posso evitar!
- Porque não conta
as autoridades?- disparou a jovem nervosa.- Algo esta passando-se com você? Porque fica em
silencio antes de mortes tão horríveis como esta?
- Eu não posso.
Eu... tenho medo. –disse ela.- Eu tenho medo!
Na manhã seguinte
os jornais anunciavam sobre a Noruega estar de luto graças as dezenas de
pessoas assassinadas barbaramente em um terrível ataque terrorista. Enquanto
acompanhavam as notícias no jornal, Vivi pode sentir o olhar horrorizado de
Helen encarando-a. Vivi soube então que jamais seria a mesma. Seria sempre
assombrada pela culpa. Vivi nunca mais seria a mesma depois daquelas mortes...
Ela não mais
conseguia dormir...
Tinha medo dos
pesadelos! Quando dormia a coisa vinha visita-la macabramente, fazendo ameaças
e brincadeiras cruéis. Quando acordava ela não tinha nenhum arranhão ou corte
dos que a coisa fazia-lhe durante as madrugadas malditas, mas ela sabia que a
coisa estava por perto. Que a coisa não queria que ela comentasse com ninguém
suas visões de mortes e tragédias. Ela sabia que a coisa queria pegar-lhe... O
tempo passava. Por vezes ela ficava meses sem ouvir a vozes, mas elas voltavam, elas sempre contavam-lhe coisas.
Certa vez ela ouviu: Manamorte. E na manhã seguinte sua irmã foi encontrada
morta no quarto de sua casa. No enterro da senhora que era ainda razoavelmente
jovem e tinha um filho pequeno, vestida com blusa negra, Helen encontrou Vivi
parada com o rosto sombriamente preocupado e duro. Helen aproximou-se:
- Você sabia não é?
- Sim. –respondeu
Viviane.- De certa forma sim. Eu sabia.
Helen colocou a mão
sobre o ombro de Viviane tentando dar-lhe algum consolo. Mas o rosto da mãe de
Demétrio estava duro como uma pedra de granizo. Os olhos estavam vigorosamente
pousados sobre o agora órfão e mirrado garotinho filho de sua falecida irmã.
Quantos mais a coisa iria pegar? Quantas outras vidas roubaria? Naquele
instante enquanto o caixão era abaixado lentamente levando a irmã para o
túmulo, Vivi decidiu que precisava ser forte. Precisava ser inteligente.
Precisava ser esperta.
Aquela mulher velha
e solitária decidiu enfim que precisava enfrentar a coisa.
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As festas natalinas
de final de ano chegaram. Vivi estava preocupada em arrumar a casa para a
chegada dos parentes que viriam para a ceia. Com a ajuda de Helen ela preparava
um peru assado regado com vinho e frutas silvestres, uma maionese e uma bela e
apetitosa salada marroquina seriam alguns dos inúmeros pratos que a mulher
serviria na ceia. Demétrio ajudava decorando alegremente a casa para a festa.
Enquanto carregava uma enorme pilha de objetos para decoração deu um tapa nas
nadegas de Helen com um sorriso debochado:
- Eu adoro ver você
nas manhãs de natal.
- Você adora comer
o peru de natal que é receita da minha avó.- corrigiu ela com um sorriso feliz.
– Agora trate de terminar a decoração antes que eu te enfie esse peru na
cabeça!- ele fez cara de manhoso e ela sorriu alegremente. Apressada Vivi
picava pimentões amarelos.
- Eu estou tão feliz
que vocês estejam namorando firme. Mal posso esperar até ter um netinho!
–exclamou.
- Deus que me
livre! –exclamou Helen com um sorriso engraçado.- Não jogue mal agouro em mim
não hein! Se você obteve uma premonição quanto a isto afirmo-lhe que viu
errado. –disse ligeiramente assustada.
- Na verdade
ultimamente eu não...-começou a dizer a outra quando ouviu uma voz sussurrando
sobre seus ouvidos sorrateiramente:
Chacina, família! Hoje! Avenida Fonseca!!!
Viviane sentou-se
sobre a cadeira, tonta. Haveria uma chacina. Uma família inteira seria morta na
Avenida Fonseca a algumas quadras de seu bairro. Ela precisava impedir.
Precisava ligar para a polícia. Não deixaria outras crianças ficarem órfãs como
o sobrinho. Precisava impedir.
- Você me empresta
seu celular, querida?- perguntou nervosa.
- Claro. –respondeu Helen procurando o celular
no bolso da calça jeans. Ela podia ver os corpos espalhados pela casa. O homem
chorando e depois atirando na cabeça com um revolver. Helen entregou-lhe o
moderno celular rapidamente.
Ela discou o número
da polícia e uma voz cansada atendeu:
- Alô. Polícia
Militar de Belo Horizonte.
Ela tentou parecer
sóbria embora sem êxito:
- Vocês devem
dirigir-se hoje para a avenida Fonseca. Um homem matará a mulher e os dois
filhas em uma das casas de lá.
- É mesmo?
–perguntou a voz do outro lado da linha .- A que horas?
Vivi ficou em
silencio por alguns instantes. Em sua visão não dava para saber ao certo a que
horas os crimes aconteceriam:
- Eu não sei. Mas é
hoje. Durante o dia.
- Certo. E a senhora
sabe onde o homicídio acontecerá?
- Não.- respondeu
ela infeliz.- Mas é verdade. Juro-lhe! Não poderia mandar uma viatura para lá?
- Senhora!-
exclamou a voz desacreditada.- Hoje é natal, não há muitas viaturas disponíveis!
A senhora não sabe nem sequer onde é. Além do mais é uma avenida enorme, não
podemos sair a bater de porta em porta perguntando as pessoas se há um maníaco homicida em sua casa.
- São crianças. Eu
vi em minha premonição. Não estou a mentir. Tudo o que digo acontece!- mas o
telefone já havia sido desligado do outro lado da linha pelo imprestável
policial. Ela sentiu uma voz rouca dizer em seus ouvidos: AGORA. Ela olhou para
Helen que encarava-lhe curiosa.- Helen ligue novamente para o polícia e diga
que ocorrerão mortes agora na avenida Fonseca. Preciso impedir. –disse ela
virando-se e desaparecendo apressadamente na porta do jardim.
AGoRa.
Repetia a voz em sua mente. O carro seguia pelas ruas cheias de gente fazendo
compras. A voz continuava a repetir em sua mente: AgOrA. Ela sentia um homem
forte encontrar a esposa e preparando um enorme caldeirão de sopa de cenoura fumegante
para as crianças em uma casa simples e pequena.
- Mamãe? Não teremos peru hoje? –disse uma
garotinha pequena com os cachinhos desgrenhados olhando suplicante para a mãe
triste.
-
Não querida. –disse ela com uma falsa promessa de sorriso nos lábios doentios.-
No ano novo prometo que estaremos num lugar bem melhor do que este com um peru
e um bolo de chocolate delicioso esta bem?
-
Bolo de chocolate? –perguntou a garotinha ansiosa enquanto um homem entrava na casa com os olhos tristes.- Bolo de
chocolate? –perguntava a menina com o sorriso no rostinho.- Com cobertura
mamãe?
-
Sim querida.- ressoou a voz nervosa da mulher.- Com calda de chocolate.
AgOrA. Viviane
tentava acalmar-se enquanto finalmente se aproximava da Avenida Fonseca. Tudo
em que a mulher pensava era em impedir o homicídio.
A
mulher chorava em uma velha cadeira e homem misturava o conteúdo de um vidro na
sopa lentamente.
-
Tem certeza de que realmente é nescessario?- perguntou a mulher olhando-o
confusa.
Onde diabos seria esta maldita casa? O carro
seguia pela avenida Fonseca.
-
Queridos!- exclamou a mãe triste.- Trouxe sopa de cenoura com ervilha. Comam.
-
Sopa de cenoura de novo? –perguntou um rapazinho com um rosto emburrado.- Não
tem carne? Odeio sopa.
-
Se comerem comprarei sorvete.- disse a mulher colocando o estranho caldeirão
sobre a mesa e servindo sopa para as crianças e o marido..
Viviane entrou em
uma velha e decrepta casa com um grande terreno de terra. Bateu na porta aterrorizada.
Não houve resposta. O local encontrava-se mergulhado no silencio como se que completamente
vazio. Mas ela sabia... Estavam lá... Em algum lugar! Começou a caminhar
apressada em meio embolorado corredor lateral cheio de entulho. Precisava
impedi-los! Mas onde estavam? ONDE?
A música continuava a tocar. Era algo sobre
lagartixas encantadas. Que espécie de música maluca era aquela?
- Acalme-se.- disse
para si mesma. Viu uma porta semi aberta
nos fundos. Correu apressadamente e abrindo-a com mãos tremulas. – É aqui.
–disse.- É aqui!- segurou a porta vacilante empurrando-a lentamente. Um homem
segurava uma pistola na mão direita preparando-se para dispara-la.- Pare!-
gritou ela.- Onde estão as crianças?
Ele olhou-a:
- Eu... –disse.-
Eu... não posso. Eu não posso! Eu não pude... Eu não pude...- ela ouvia
crianças chorando baixinho. Ela abandonou apressadamente o homem ainda com a
arma na mão.- Eu não consegui. –dizia tensa. Ela abriu a porta do quarto ao
lado.
Seu coração saltou
quando viu a mulher de suas macabras premonições caída com a boca arquejante.
No radio uma música infantil tocava.
- Prometam para
mamãe. –pedia a mulher ensanguentada.- Prometam para a mamãe que serão fortes.
–dizia a mulher com os grandes olhos esbugalhados.
As três crianças sentavam-se
ao lado do corpo moribundo em pranto. A mulher com um olhar triste perguntou a
Vivi:
- Quem é você? –e depois:-Impeça
Damião! Eu lhe imploro!
Neste instante o
pai das crianças, Damião entrou no quarto com uma arma em punho.
- O que faz aqui?
–perguntou.- Não entende como odeio vadias intrometidas?- e então ela soube que
a coisa controlava o homem. Ela soube que esta estava furiosa com ela por
tentar impedir-lhe. A coisa controlava os pensamentos de Damião e queria
sangue. - Parada! –exclamou Damião sombrio.- Parada ou a mato!- Assustada,
Viviane começou a pensar em como poderia salvar-se. Precisava distraí-lo.
- Acalme-se...
–começou a dizer ela.
- Agora deixará de
ser a droga da nova pedra no meu sapato. Foi divertido brincar com você.
Espera. Talvez tenha chamado a polícia! –exclamou o homem desvairado. E atirou.
No entanto Vivi, já jogava-se contra ele desesperadamente tentando agarrar a
arma que atirava ensandecidamente.
- Fujam crianças!
Fujam. –dizia a mãe antes de morrer.
Sem forças ela
conseguiu agarrar a arma de fogo do homem enquanto ele caiu derrubando um jarro
de flores com a arma na mão. Ela pegou a arma de fogo. Antes que suas pernas
doloridas pudessem levantarem-se o homem segurando um enorme e pontiagudo caco
do jarro quebrado segurava-a e tentava rasgar-lhe a garganta. Ela engatilhou a
arma e atirou agilmente.
O som das sirenes
da polícia soava distante.
O cadáver do terrível
Damião caiu sobre o assoalho.
(Conclui na Proxima Parte.)
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