terça-feira, 28 de agosto de 2012

História Sombria de Hoje: O Refém do Mal

Na História Sombria de hoje conheceremos o depressivo Raul. Um homem desesperado que cruza a barreira da vida e da morte. Uma História aterradora sobre o mal e uma criatura negativa e nefasta...






Raul encheu o copo de vinho. Na rádio soavam músicas sertanejas do Bruno e Marrone. Ele respirou fundo. Estava razoavelmente entorpecido pela bebida. Sentia-se solitário e infeliz. Sentia-se cansado. Engoliu mais um pouco de vinho e deixou o álcool fluir por seu corpo acalmando-o e descansando-o. Do lado de fora da casa da fazenda os grilos cantavam animadamente. Raul pegou a taça de vinho e levantou-se trôpego caminhando pela solitária fazenda. Precisava ter coragem. Enquanto caminhava lentamente indeciso, pensava se estava fazendo a coisa certa... Já estava suficientemente bêbado. Precisava acabar com aquilo de uma vez. Precisava por um fim naquela novela melodramática. Andando tropegamente em meio ao casarão agora vazio. Ele sentia-se cansado e confuso. Deveria realmente cometer suicídio naquele lugar? A fazenda ainda lhe trazia tantas lembranças boas. Lembranças de quando ainda era casado com Manuela. De quando eram jovens e felizes e de quando o filho corria pela fazenda, miúdo e faceiro. Hoje Jorge já era grande e havia casado- se com uma linda mulher. Tinha um lindo casal de filhos. Era um rapaz feliz. Não precisava mais dos conselhos e da ajuda de um velho solitário como ele para manter-se independente em um mundo tão cruel como aquele... Bem... havia o casal de netos. Apenas duas crianças. Dois jovenzinhos. Eles também não precisavam dele. Tinham o filho Jorge que consolaria- os quando soubessem da morte trágica do avô. E então... tudo ficaria bem... Ele não teria mais problemas... A vida sofrida e dolorosa afetada pela forte depressão e os ineficazes remédios que faziam-lhe tão mal, teria seu fim. Tudo apagaria-se pela eternidade. Uma eternidade sem pensamentos ou problemas. Sem dor ou sofrimento. Vamos! Acabe logo com isto seu velho estúpido! Não seja fracote! Murmurou a voz feminina e sedutora em seu ouvido. A voz que induzira-o aquele momento de desilusão. Que alimentara-o com a idéia do suicídio.
Estava frio. O vento uivava do lado de fora do casarão agitando os eucaliptos. Vamos não seja covarde. Não seja fracote. Logo perderá a coragem! Tem de ser rápido. Ele teve a impressão de ver algo movimentar-se do lado de fora da janela entreaberta. Haveria mais alguém na fazenda? A morte estaria lá para busca-lo? Eu estou aqui. Como é a morte? Como é sua face? Mate-se e verá seu velho louco. Encontrará- se comigo. Eu vou te mostrar muitas coisas. Muitas coisas legais. Ele abriu a porta. Queria sentir a chuva gélida pela última vez. Queria sentir as gotas da chuva molharem- lhe a cabeleira. Deixe disto velho fracote!  A chuva molhava- lhe os cabelos brancos e ralos. O vento chiava lentamente. Agora ele estava úmido, o aroma delicioso da relva e das hortênsias chegou-lhe ao nariz com frescor. Ele caminhava decreptamente pela pradaria. Ele sorriu pela primeira vez em um ano. Era bom estar alí na fazenda onde aconteceram tantas coisas... É sua última vez. Aproveite um pouco. Aproveite seu os últimos instantes desta vida tão dolorosa que apagará-se hoje... Ele caminhou pelo jardim como um menino. Como a criança que fora a alguns anos atrás. As cores eram tão vividas. A chuva molhava-o. Será que realmente sua vida era tão má assim? Enquanto aos poucos a chuva deixava de tilintar docemente sobre o telhado e os pássaros cantavam alegremente nas centenárias árvores que assombreavam-lhe enquanto o sol voltava a brilhar lentamente... Enquanto isto, ele pensava se realmente era uma boa idéia abster-se de tantas cores e belezas. Mas era preciso. Ele sentia o quanto isto era doloroso. Ver aquela pradaria e não poder correr em meio a imensidão. Ele tinha uma fazenda tão linda! Somente agora ele percebia que toda aquela beleza não encantava-o mais. Toda aquela imensidão lhe trazia só infelicidade e lembranças de tempos outrora felizes. Ele não podia desistir. Não no último instante. Era-lhe tão dolorosa a morte de Manuela. A vida sem seu olhar gentil, sua voz calma. Eles amaram-se eternamente. E agora, aquela casa grande, aquele assento vazio na mesa de café da manhã, a lembrança dos últimos momentos, do último sorriso... Será que encontraria-se com Manuela quando perdesse enfim a vida? Será que algum dia teria esta alegria? Ele olhou para o jardim respirando fundo amargurado e triste. Porque aquela dor que sentia era tão pungente? Porque não conseguia livrar-se dela.
Ele pegou a arma calibre trinta e dois. Apenas um disparo e toda aquela dor teria fim. Ele estava decidido! Era hora de morrer. Já vivera demais. Tinha de aceitar que os anos felizes haviam terminado. Ele sentou-se sobre a cadeira. Os olhos estavam entristecidos. Infelizes. Observou a paisagem vazia pela última vez. Colocou o revolver na boca abrindo-a com amargura e dor em seguida. Era o momento! Armou o revolver! Era a hora! Iria despedir-se daquele mundo tão cruel! A arma era tão fria. Tão gélida e mortal. De-repente ele sentiu-se horrorizado. Enojado. Como chegara aquele ponto? Ao fundo do posso? Sentiu-se infeliz e desesperado! Aquilo era loucura. E o filho que tanto amava-o, como ficaria? Se ele desce cabo da própria vida iria para o inferno! Iria pagar por sua ousadia nas chamas incandescentes do mal por toda a eternidade. Estaria enlouquecendo? Porque aqueles pensamentos sombrios e mortais vinham-lhe a mente todo momento? Ele estava doente! Precisava tratar-se! Curar-se da depressão! E então novamente a vida teria sentido. Ele precisava sair da fazenda o mais rápido possível! Antes que os pensamentos obscuros voltassem e ele cometesse uma loucura! Como pudera ser tão cego? Tão estúpido. Ele levantou-se apressadamente. Caminhou em busca de um copo de água na cozinha. Engoliu a água com as mão trêmulas. Ela estava alí! Ele sabia! A morte estava alí! Naquela fazenda. Espreitando-o... Sondando-o... buscando-o... Algo de muito ruim estava por perto. Transmitindo-lhe aqueles pensamentos sombrios! Algo mal o seguia. Algo mal queria tirar-lhe a vida. Queria que cometesse o ato mais maldito de todos. Ele viu algo mexer-se entre as sombras como que rastejando. Os pensamentos estavam voltando... Não. Aquilo era imaginação sua! O mal não existia. Tudo o que existia era aquele mundo torpe e hediondo onde seres humanos inconsequentes inventavam histórias absurdas para sentirem-se felizes. Era isto! Com certeza! Ele desejava a morte. Ele sentia-se a vontade com ela. Ela era a única resposta! Demônios não existiam, existiam? Será que aqueles pensamentos obscuros eram obra de criaturas das trevas? Criaturas das trevas que haviam talhado uma batalha épica, com Deus e descido ao abismo profundo, voltando depois para destruir a atormentar a humanidade? Ela sentia uma presença malévola em sua mente induzindo-o. Conduzindo-o para a morte! Para o abismo sem fim!
Ele caminhou até o armário. Segurou com força a chave do carro. Algo estava alí! Algo estava enlouquecendo-o. Seria verdade o que diziam os espiritualistas? Existiriam mesmo os espíritos obcessores? Era o que ele perguntava-se enquanto seguia apressadamente até o carro. Espíritos que faziam pessoas como reféns de sua ira doentia? Espíritos que levavam pessoas a depressão e ao suicídio por vingança ou meramente por prazer. Ele colocou a chave na fechadura do carro. Algo movimentou-se atrás dele. Ele sentiu que algo ruim encarava-o parado próximo  ao lago. Flutuando sobre as águas morbidamente. Ele não queria olhar. Ele não desejava faze-lo! No entanto, tomado por curiosidade, Raul viu-se virando-se lentamente em direção a estonteante e vivida paisagem do lago iluminado pela luz palida do sol. Lá estava ela! Oh céus! Manuela! Era exatamente como em suas lembraças. Era a esposa que havia falecido, mas estava mais nova! Com cerca de vinte e três anos. Como na época em que haviam conhecido-se. Ela usava um vestido branco e flutuava em meio as árguas esverdeadas do lago!
- Eu vim buscar-te meu amor. –disse ela com voz doce.- Já passou-se muito tempo desde que vimo-nos pela última vez. Quando morri de tuberculose. Agora quero buscar-te. Voltei para que fiquemos juntos pela eternidade. Não sabe por quanto tempo eu esperei por isto! Venha até mim meu grande amor.- de-repente em um desvario de alegria ele sentiu-se extremamente contente. Manuela estava alí para leva-lo. Leva-lo com ela.- Venha meu querido. Esqueça todo mal que este mundo fez-te. O lugar para onde vamos é maravilhoso. Lá terá o descanso que tanto procurou. Venha comigo, vamos viver em paz por toda a eternidade.- ele caminhava em meio ao lago, afundando-se em meio as águas esverdeadas e gélidas. Mas isto não importava mais. Manuela viera viera buscar-lhe e ele não recusaria o seu convite. Ele foi para o fundo das águas deixando estas engolirem-no lentamente... Manuela encarava-o sorrindo. Um sorriso que ele nunca vira em seu rosto e que lhe parecia estranho. Seria um sorriso de escárnio? Aquela seria mesmo  Manuela? Ele sentiu uma força sobrenatural puxa-lo para o fundo das águas  em meio as pedras e algas. Não! Aquela não era Manuela! Ele sabia-o! Desesperadamente começou a lutar contra as forças sobrenaturais que puxavam-o bruscamente a cada vez mais para o fundo do lago. Com muito esforço ele conseguiu emergir novamente para o leito do rio.  Não pode desistir agora! Vais morrer! Vais morrer velhote. Eu vou levar-te! Ele caminhava apressadamente para fora do rio com as pernas doloridas e torpes. Você não sai desta fazenda hoje velho estúpido! O vento gélido açoitava-lhe as roupas molhadas e sujas. Ele precisava chegar até a caminhonete. Precisava sair antes que a coisa o pegasse. Velho retardado! Porque não se mata logo! Porque tem de fazer as coisas serem tão difíceis! Manuela com a boca coberta de sangue encarava-o de cima da árvore. Ele desviou o olhar aterrorizado. As pernas doíam e ele perdia as forças lentamente. Estava morrendo. A criatura maldita estava sugando-lhe a vida lentamente. Seu velho viado! Não há mais nada para você na Terra. Eu não permitirei que continue vivo. Agora você é meu! Meu! Onde ele estava? Ele já havia passado por aquela porteira antes. Estava muito próximo da caminhonete vasculhou o bolso em busca da chave. As pernas pernas lhe doíam e estavam cada vez mais pesadas. Agora ele arrastava-se em meio a grama e as pedras lhe esfolavam a mão. A chave do carro não se encontrava em nenhum de seus bolsos. Ele estava morrendo. As mãos precisavam manter-se firmes. Precisavam ajuda-lo a arrastar-se para a caminhonete já tão próxima. Os olhos arreganharam-se. O coração doía. Doía terrivelmente. Ele contorcia-se no chão. Venha velho desprezível. Venha para mim seu inútil. Gargalhadas das trevas ecoavam em seus ouvidos. A escuridão tomava conta de seu corpo lentamente...

Uma Semana Depois...
Só havia escuridão e medo.
Ele estava apreensivo. Não queria abrir os olhos. O corpo lhe doía terrivelmente. Ele olhou sobre a visão embaçada. Onde diabos encontrava-se?
- Droga!- exclamou arquejante. Teria sido um pesadelo aquele dia terrível na fazenda. Ele não mais desejava suicidar-se. Estava certo que com aquele pesadelo aprendera a horrível lição sobre não deixar-se dominar por energias obscuras. Ele sorriu. Estava tudo bem. Foi apenas um terrível pesadelo. Uma tortuosa lição.
Mas onde estava. Observou o quarto atento. Não era luxuoso, mas também não era simples. A porta abriu-se lentamente. Ele ouviu o barulho de crianças e de um rapaz. Seu filho Jorge entrava no quarto com um sorriso radiante acompanhado pelo casal de netos:
- Finalmente acordou pai. Como esta?
- Onde es...- disse surpreendendo-se ao ver como a voz estava fraca e abatida.- Onde estou querido?
- No hospital pai. Encontrei o senhor caído no declive próximo ao lago. Estava desacordado. Não sabe como desesperei-me quando vi o senhor assim. Ainda bem que os paramédicos eram experientes e graças aos céus o senhor esta num quadro estável agora!- exclamou o jovem rapaz com olhar melancólico.
Ele sorriu. Passara por uma experiência de quase morte. E agora sabia que não desejava mais morrer! Os olhos ficaram pesados lentamente. Neste instante Jorge assumiu um rosto macabro. Sombras tomaram conta do quarto. Gargalhadas cavernosas ecoavam das janelas e de baixo da sua cama.
- Maldito.- disse Jorge com o rosto disforme.- Não acredito que pensou que estava livre de mim! –e gargalhou macabra e sombriamente. Enquanto tudo virava medo, escuridão e maldade...

Fim


Um comentário:

  1. Muito bem escrito e envolvente esse conto adorei o final. Como sempre vc é o melhor.Bjs.

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